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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

SIMCHAT TORÁ: CRIANÇAS E A SINAGOGA


Em um Arvit de Shabbat, enquanto eu rezava a
Amidá na sinagoga, minha filha de três anos e meio
começou a brincar de passar por entre minhas
pernas. Um aspecto importante desta tefilá é que
esta deve ser dita de pé, com os pés juntos, e que na
medida do possível não deve ser interrompida.
Lembrei-me que já havia lido que existiria um
detalhamento já feito por parte dos nossos
chachamin do que justificaria interromper esta tefilá, e
de pequenos atos que poderiam ser realizados,
enquanto se rezava, pois não seriam considerados
interrupções. Naquele exato momento não tive como
checar nos livros uma possível resposta para
pergunta: o que se fazer quando se reza a Amidá e
sua filha fica passando por entre suas pernas? Rezei
a Amidá com as pernas levemente entreabertas e
com o cuidado para não pisotear minha filha. De
antemão tive a clareza da grande dificuldade que
teria para encontrar uma resposta satisfatória para
minha pergunta inicial. Desta forma, optei por dar
inicialmente alguns passos para trás, como, aliás, se
faz quando se inicia a Amidá, e refiz a pergunta da
seguinte forma: os pais deveriam levar seus filhos
pequenos para sinagoga? O Talmud, conforme o
rabino Benjamim Blech (“O mais guia completo guia
sobre judaísmo”), diz que expor as crianças desde
cedo as palavras da Torá, na Casa de Estudo seria
altamente benéfico para elas. Ok. Mas dando passos
para frente pergunto, seria benéfico apenas para
elas? O caminho que encontrei para buscar uma
resposta para esta pergunta subseqüente foi explorar
alguns detalhes, do “dia mais feliz do ano” para os
judeus, Simchat Torá, literalmente alegria da Torá,
que ocorre, no último dia de Sucot. Neste dia, chega-
se ao fim da leitura do livro Devarim, último livro do
Chumásh, mas não ao fim da leitura da Torá, pois
neste mesmo dia se recomeça a leitura do livro
Berisht. Nunca se acaba a leitura da Torá.
Continuidade e alegria parecem fazer parte da
mensagem desta festa. Dança-se dentro da sinagoga
(e em muitos lugares fora também), com os rolos de
Torá nos braços, dão se sete voltas ao redor da
Tebá... Outro aspecto importante é a intrínseca
ligação entre Simchat Torá e as crianças. Um
episódio narrado pelo Rabino Henry Sobel (“Um
homem. Um rabino”), que lhe fora contado por um
sobrevivente de um campo de extermínio nazista
evidencia de forma inequívoca, dramática e singela a
relação entre Sichat Torá e as crianças. Um homem,
num determinado dia, dirigiu-se a um velho e
alquebrado rabino e lhe perguntou: “Rabi, o senhor
está se lembrando que hoje é Simchat Torá?”. O
velho teria dito, “então vamos comemorar!”. Seu
interlocutor lhe perguntou, “mas como, aqui? Não
temos sequer um Sefer Torá”. O velho então olhou
para os lados, viu uma criança passando. A despeito
das possíveis represálias dos guardas, ela pôs a
criança nos braços, pulou e dançou. Simchat Torá
evidencia a perenidade da Torá. Por outro lado,
foram as crianças de diferentes gerações que deram,
dão e darão continuidade ao judaísmo. Em nossa
sinagoga, em Simchat Torá, é costume que todas as
crianças presentes subam a Tebá para abençoar a
leitura da Torá, sendo então cobertas por um talit
estendido sobre elas, quando então se jogam muitos
bombons sobre elas. O ato de cobrir outras pessoas
com talit está presente em outros momentos da
liturgia sinagogal, como quando os pais cobrem seus
filhos, na bênção dos Cohanim. Mas em Simchat
Torá, esta cobertura, esta proteção é coletivizada.
Todas as crianças ficam embaixo do mesmo talit.
Todas, cada uma delas, é responsável pela
continuidade do povo de Israel. Simchat Torá parece
responder nossa pergunta da seguinte forma: os pais
devem levar seus filhos à sinagoga porque eles são a
continuidade do judaísmo. Dando mais um passo a
frente, pergunto-me: mas também é fato que crianças
podem atrapalhar outros adultos quando estes
estiverem rezando (lembrem-se esta história toda
começou com minha filha enroscando-se nas minhas
pernas)? O rabino Jonathan Sacks (“Para curar um
mundo fraturado”) narra-nos a um breve midrash. Um
jovem rabino estava estudando, e seu filhinho
começou a chorar, tão concentrado ele estava que
não percebeu isso. Seu pai, um velho rabino, parou
de ler, pegou o neto e foi em direção de seu filho, e
disse algo como: “Você não ouviu seu filho chorar?
Mas afinal, o que está lendo? Eu sei de uma coisa,
não deve ser a Torá!”. Reprovação assemelhada
observa-se na perashá Matot, quando os membros
das tribos de Rubem e Gad expressam seu desejo
em não atravessar o Jordão, e partir para conquista
de Eretz Israel, pois naquelas terras em que estavam,
poderiam construir “currais para nosso gado e
cidades para nossas crianças”. Tanto o jovem rabino,
como membros das citadas tribos, incorrem no
mesmo equívoco: as crianças, pelo menos num
determinado momento, deixam de ser suas
prioridades. As crianças deveriam ser, em algum
grau, objeto de cuidado de todos. Mesmo que
“atrapalhem”. No judaísmo não vive só. Como o velho
rabino, ou como Moshé Rabenu, na sinagoga sempre
haverá alguém que poderá apontar para os pais das
crianças a necessidade de redobrar a atenção com
eles, quando se fizer necessário. Lembremos que
sinagoga é um termo grego. Em hebraico são três as
expressões que podem ser utilizadas Beit Tefilá (casa
de reza), Beit Midrash (casa de estudo) e Beit
Hacnésset (casa de reunião). É bem verdade que as
crianças possam atrapalhar a reza (tefilá) de alguns
(e às vezes de muitos). Por outro lado, com sua
presença nem sempre contemplativa, permitem que a
sinagoga seja um local de aprendizado (meta do
estudo), à medida que faz com que os pais aprendam
a educá-los, bem como que aqueles cujas rezas
foram atrapalhadas exercitem a tolerância. Educação
e tolerância são essenciais para convivência, para
reunião (cnésset), para vida (nem sempre fácil) em
comunidade, em síntese, para próprio o judaísmo
contemporâneo. Assim, como no “modim”,
reconheçamos, dobremos os joelhos, e agradeçamos
a D’us por nossas crianças.
Maximiliano Ponte

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