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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O HOJE NÃO É DIA… (REFLEXÕES SOBRE SUCOT)


Hoje não é dia para quando os filhos saírem para

 escola ainda estar dormindo de tanto cansaço do

 trabalho dos dias anteriores. Hoje não é dia para

 sair de casa em jejum, com uma agenda de

 compromissos predeterminados a cumprir, pelos

 quatro cantos da cidade. Hoje não é dia dar aula,

 ler e corrigir trabalho de alunos, fazer reuniões de

 trabalho, atender pacientes, fazer compras. Hoje não

 é dia de chegar em casa a noite, com os filhos já

 dormindo. Hoje não dia de por entre as frestas da

 tela de proteção da janela ver os carros passar ao

 longe, pensando no dia de trabalho de amanha.

 Hoje não é um dia comum.

Hoje é dia para com os filhos ainda no amanhecer

sentar-se na sucat, se estiver chovendo proteger-se

 da chuva, se houver vento intenso cuidar para que as

 palhas não voem, se o sol estiver a pino, procurar

uma sombra sobre o telhado vazado. E já de amanhã

 lembrar da incerteza dos acontecimentos que virão,

lembrar da fragilidade da nossa vida, e que nosso

 destino, não é apenas nosso. Ontem saímos da

escravidão do Egito para o deserto. Temos que ter

 o cuidado para não sairmos do deserto de uma vida

 familiar distante, para a escravidão do trabalho e do

 cotidiano. Ontem nosso caminho era iluminado pelas

 labaredas do Eterno. Hoje corremos o risco de

 andarmos eternamente em círculos cumprindo agendas,

 com olhos de tal modo vedados que nada vemos.

 Hoje é dia de comer sentando, na sucat. Pararmos, sentarmos,

 lembrarmos. Hoje é dia de segurar o lulav, com seus

 quatro tipos de vegetais, apontá-lo para os quatro

 cantos da terra. Hoje é dia de lembrar da diversidade

 do nosso povo e das nações da terra, e quanto é

importante esta diversidade. Hoje é dia de dizer o Halel,

 ler Torah e fazer telilah com minian. Hoje é dia de olhar

 as estrelas, sentir-se perto delas, sonhar com o mundo

 vindouro, com o Mashiach. Hoje é Yom Tov.

Hoje é dia para lembrarmos que as dificuldades do

 deserto/diáspora, não durarão para sempre.

Chag Sucot Sameach!

Maximiliano Ponte

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SAMUCA, SEUS CACHINHOS E A INTOLERÂNCIA

Samuca é o meu filho mais novo, de quatro anos
 de idade. Ele, sem falsa modéstia é um menino
inteligente, amável, brincalhão e querido por
 todos, seja em casa, no condomínio onde
moramos, ou na sua escola. O Samuca,
 como eu, seu pai, usamos uns “cachinhos”
 na lateral. O nome destes cachinhos em
 hebraico é “peyot”. Alguns judeus religiosos,
 ou mais tradicionalistas, mantêm estes
 cachos como uma espécie de “glorificação
 do mandamento de não cortar o cabelo rente
 nos lados da cabeça” (veja Vayicrá 19:27).
Os judeus sefaradi (de origem ibérica), quando
 usam peyot tendem a usá-los curtos e colocá-los
 por trás da orelha, enquanto judeus as asquenazi
(do leste da Europa) tendem a usá-los expostos e
 longos. Trata-se, portanto de um costume, que
 guarda relação com o pertencimento étnico-religioso.
 Samuca e eu, usamos peyot, digamos assim,
a moda sefaradi.
É bem verdade, que não conseguimos em geral domar
 os peyot do Samuca, e raramente ele deixa por
 trás da orelha. Ele costuma tirar de trás da orelha,
 e dizer que gosta de seus peyot “soltos”. Vez ou outra
alguém pergunta para o Samuca porque ele usa
 aquele tipo de corte de cabelo, chegam até a
 elogiar dizendo que está na moda. Samuca
 rapidamente corrige seu interlocutor e explica,
 “não é moda, são os meus peyot, uso porque sou
 um menino judeu”.
Samuca estuda em uma escola classe de
classe-média alta, com algumas filiais na cidade onde
 moramos. Trata-se de uma escola conhecida
 localmente pela qualidade acadêmica e pela
preocupação com a disciplina. Para nosso espanto,
 soubemos que um pai de uma criança da mesma
 filial onde o Samuca estuda se deu ao trabalho de
ir até a sede geral da escola questionar o motivo
 pelo qual ele estaria usando aquele “cabelo grande”.
 A primeira idéia que me veio a cabeça foi: anti-
semitismo. Os judeus foram e continuam a ser bodes
 expiatórios e alvos de ira e ódio irracional por
 parte de diferentes pessoas e grupos sociais,
 em diferentes partes do mundo, inclusive no
 Brasil. Entristeci-me com esta possibilidade,
 sobretudo, porque nestes dias, nossa comunidade
está brindando a sociedade de nossa cidade com
 uma bela exposição sobre Anne Frank, jovem
 judia que se tornou um dos símbolos das vitimas
 do anti-semitismo, vitima da barbarie nazista,
 junto com outros milhões de judeus, ciganos,
 deficientes mentais, e outros diferentes...
Um amigo rabino, inclusive me aconselhou a
não levar meus filhos pequeninos para ver a
exposição, para deixá-los viverem um pouco
mais as suas inocências. Assim, fiz. Mas a
realidade nua e crua surge a nossa frente.
Alguns podem dizer que não foi nada disso, e
 que eu estaria sendo paranóico. Gosto da
 seguinte resposta para esta situação: Até os
 paranóicos tem inimigos!
Continuei pensando. Bom talvez não seja
 anti-semitismo mesmo. Talvez o sujeito
 nem saiba o que são peyot, muito menos
 que somos judeus. Isso diminuiria o
 problema? Penso que não. Pois afinal, a
 indagação feita a respeito dos peyot do
 Samuca, seria uma espécie de intolerância
 ao diferente. Tudo bem, talvez, não uma
 intolerância aos judeus. Mas isso não muda
 absolutamente nada. O anti-semitismo é um
 tipo de intolerância. Sentir o bafo quente da
 intolerância em nossas nucas, mesmo que
 não esteja relacionada ao anti-semitismo,
 não diminui em nada o mal estar. Talvez
até aumente ao constatar a miríade de formas
 de “ódios gratuitos” que sente o homem,
 pelo homem.
Tratarei este caso, tal como a fiz em relação
 a exposição de Anne Frank. Deixarei este
 assunto longe do conhecimento do
 Samuca, mantendo um pouco mais a
inocência dele, de modo análogo ao
recomendado pelo rabino... Mas por outro
 lado, faço aqui, minha pequena exposição.
 Afinal, o nome do mal que matou Anne e
 questionou o cabelo do Samuca é o
mesmo: INTOLERANCIA, seja o sobrenome,
 ANTI-SEMITISMO, ou não.

(Registro aqui o agradecimento a escola que se
 mostrou ética e respeitosa com nossos costumes,
 e que em momento algum endossou qualquer
 prática de intolerância, ou desrespeito para conosco.)
Maximiliano Ponte

Shabat Shalom

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O “ANJO ACUSADOR” NA PERSPECTIVA JUDAICA

Recentemente, o rabino Jacques Jacques Cukierkon


publicou um vídeo com comentários sobre a

perspectiva judaica sobre o Satanás, dentro de um

projeto “Pergunte ao Rabino” da Comunidade

Judaica Brit Braja. Comentei com ele que

havia alguns pontos complementares sobre o

tema que poderiam ter sido abordados. Deste

modo, o rabino me pediu que eu fizesse esses

comentários. Um ponto de partida que entendo

como importante é a idéia que Satan seria um

anjo. Em hebraico anjo é מלאך (malach) que

significa tanto um ser sagrado, como mensageiro.

Na perspectiva mística do judaísmo, haveria

vários níveis de mundo, alguns abaixo, outros

acima deste que habitamos. E os anjos, seriam,

portanto, de um modo bem simplificado seres

criados por D-us, que seriam mensageiros entre

os diversos mundos. Os anjos também não

seriam seres tão polivalentes como os humanos.

Cada anjo teria um atributo, ou função única,

necessária e imutável. Satan seria um desses

anjos. Aqui é importante destacar que na

perspectiva judaica não temos um mundo

polarizado entre um ser bom e outro mal,

que estariam em eterno duelo. Este visão

dual, própria de algumas outras religiões,

teria possivelmente suas origens no

zoroastrismo, culto religioso que não

influencia a teologia judaica como o

faz com outras religiões. Enquanto HaShem

é criador de tudo o que existe, existiu e

existirá é uniciente, unipresente e totipotente,

os anjos são seres por ele criados, com

missões especificas por Ele determinada.

Assim, o judaísmo não é uma religião dual,

o seu principio fundamental é a unicidade

radical de D-us. E neste sentido, qual seria

a “missão” do anjo Satan? Uma das formas

utilizadas pela tradição judaica para explicar

essa missão é recorrer a uma metáfora, digamos

assim, de um mundo jurídico místico. Neste

mundo, o Satan seria uma espécie de promotor,

sua missão seria explicitar a HaShem os erros

dos homens, nos julgamentos que cada um

de nós passamos ao longo de nossa vida neste

mundo, como também após a nossa morte.

Satan evidencia os erros e pecados, mas foram

os homens, por meio de suas escolhas, por

meio de seu livre arbítrio que cometeram seus

deslizes. Neste contexto, para quem está sendo

julgado Satan teria um caráter negativo,

entretanto aquele que foi vítima do “réu” o

veria de forma positiva. Isto seria ainda

mais uma evidência do caráter limitado, por

não ser único, de Satan, e por sinal de todos

os anjos. A depender de quem o observa,

e a depender da situação, sua avaliação poderia

ser positiva ou negativa. Já D-us é Baruch

Dain Haemet (  ברוך דין האמת  ), Bendito Juiz

da Verdade, criador, organizador e mantenedor

de todo este mundo jurídico. Sempre bom,

até mesmo quando não entendemos suas

decisões e seus desígnios. Único e bom, por

essência, esse é HaShem. Este é um

entendimento essencial para que compreendamos

uma oração básica do judaísmo: Shemah

Israel Adonai Elohenu, Adonai Echad

(שמע ישראל י-ה-ו-ה אלוהינו י-ה-ו-ה אחד ),

mas vamos deixar para aprofundar este

tema noutra ocasiao, quem sabe?

Shabat Shalom

Maximiliano Ponte

sexta-feira, 12 de abril de 2013

GENEROSIDADE: UMA PERSPECTIVA JUDAICA


Este texto surgiu a partir de um convite feito
por um amigo que está desenvolvendo um projeto
junto a estudantes de psicologia que visa aprofundar
 o conhecimento sobre o psiquismo humano,
 explorando não apenas os chamados sete pecados
 capitais, mas abordando também o que poderíamos
 chamar se “sete virtudes capitais”. Tal iniciativa é
 interessante, dentro outros aspectos por destacar para
 os estudantes que não podemos estudar a psiché
humana somente por meio daqueles aspectos que
 poderíamos chamar de problemáticos ou patológicos.
 O homem é também, mas está além, digamos assim,
 de seus transtornos mentais.
Outro aspecto interessante do convite está relacionado
 ao fato de ter solicitado para mim, um psiquiatra judeu,
 para escrever sobre a temática da generosidade.
 Interessante, pois seu oposto a avareza, tem sido ao
 longo dos séculos acintosamente associada ao povo
 judeu. A associação entre avareza e os judeus está
 presente tanto nas “inocentes” piadas de salão como
 nos mais ácidos e ferinos discursos que buscaram e
 buscam legitimar o anti-semitismo, em suas diferentes
 manifestações ao longo da historia.
Com isto posto, gostaria de explicitar que neste texto
 teremos a seguinte questão norteadora: Como poderíamos
 compreender a noção de generosidade a partir de uma
 perspectiva judaica? De antemão esclareço que
 a expressão “uma perspectiva” não quer denotar a idéia
 de que haveria uma e apenas uma perspectiva
 judaica, mas de fato, justamente o inverso. Possivelmente
 devem existir várias perspectivas (não esqueçamos
 aquela velha máxima, “onde há dois judeus há no mínimo
 três idéias”), e aqui explorarei uma delas, bem particular, a minha.
A estratégia metodológica que vou utilizar aqui se inspira,
 por mais estranho que isso possa parecer, na experiência
 que adquiri durante o trabalho de campo de minha tese
 de doutorado, quando morei cerca de oito meses
 em uma comunidade indígena denominada Iauaretê,
 localizada na fronteira entre o Brasil e a Colômbia, ocasião
 na qual eu estava estudando as relações entre juventude
 indígena, uso de álcool e violência. Em Iauaretê,
 a grande maioria das pessoas era pelo menos bilíngüe,
 falando português e Tukano. Entretanto, de forma usual os
 indígenas ao falar português entremeavam seus discursos
 com palavras em Tukano. Em muitas ocasiões, os indígenas
 conheciam termos correlatos em português, mas utilizam
 expressões em Tukano. Manter termos em Tukano
 parecia demarcar a diferença conceitual em relação a
 expressões similares em português, podendo ser
 entendida como uma estratégia para manter
 significados nativos mais refinados. Quem observa
 judeus falando, nos mais diferentes idiomas pode
 perceber, sem muitas dificuldades, a utilização
 recorrente de palavras em hebraico, como shalom.
 É claro que judeus americanos ou brasileiros conhecem
 as palavras peace ou paz. A utilização do shalom se
 deve não apenas pelo desejo de explicitar uma
 identidade coletiva, mas, sobretudo, porque shalom
 além destes sentidos tem outras significações, e a
 tradução faria perder um pouco, se não muito,
 da idéia que se queria expressar ao usar esta
 palavra no idioma nativo.
Devo confessar, não sem certo grau de mal estar,
 que meu domínio do hebraico talvez seja apenas um
 pouco melhor do que o meu ínfimo conhecimento do
 Tukano. Tal como fiz em minha tese, tentarei explorar
 palavras-conceito e não fazer uma análise semântica
 mais aprofundada, exercício que declino em nome dos
 doutos conhecedores destas línguas.
Fazer uma transposição de conceitos não é um
exercício fácil. Muitas vezes, para uma única
 palavra numa língua, precisaremos de várias em
 outra. Não sei dizer se haveria uma única palavra em
 hebraico que pudesse ser usada para traduzir a
 palavra generosidade. Aqui, tentarei fazer esta
 transposição (mais do que tradução) associando o
termo generosidade a três expressões ou palavras-conceito
 em hebraico, bem como tentarei explicar para o leitor
 alguns aspectos mais sutis das mesmas, que entendo
 como centrais para compreensão de seu significado no
 universo judaico.
Uma primeira delas seria tsedakah. Muitas
 vezes esta palavra é traduzida de forma não
 muito adequada para o português como caridade.
 Dela se aproxima na medida em que está
relacionada à idéia de doar algo a alguém
 que está necessitado. Mas dela se distancia,
 na medida em que se trata de uma obrigação/
preceito religioso (mistvah). De modo simplificado,
poderíamos dizer que uma pessoa que faz caridade é
 considerada uma pessoa boa, mas quem não faz, não
 se torna mal por isso. Já em relação a tsedakah, o
 judeu que não a pratica esta sendo injusto e até mesmo
 ignorante. Simboliza este ponto de vista o fato que toda
 vez que um judeu come algo ele deveria dizer uma
 benção mais ou menos assim: “Bendito seja tu Eterno
 nosso D-us reino do universo que criaste tal tipo
 de alimento”. Isto parte do entendimento de que tudo
 que há no mundo não é nosso, é de D-us. Se
 fomos aquinhoados com algo a mais devemos
de algum modo partilhar. Não é a toa, que a palavra
 tsedakah compartilha o mesmo radical das palavras
 tsedeke (justo) e tsadik (sábio).
Assim, quem faz tsedakah não deve esperar
 nada, visto que está simplesmente cumprindo uma
 obrigação. Inclusive há uma tradição que uma das
maiores tsedakot (plural de tsedakah) seria executar
 os cuidados funerais a partir da liturgia judaica
 para aquela pessoa que faleceu, pois o morto se foi
 desta vida e não poderá retribuir. Desta forma, tsedakah
 se associa a outra palavra-conceito, chessed, em geral
 traduzida por bondade, que é considerado um
 atributo divino. No universo judaico, quando se fala
 em chessed, logo vem a mente a figura do patriarca
 Abraham. A tradição ensina que Abraham mantinha
 as laterais de sua tenda sempre aberta no deserto,
 de modo que sempre poderia avistar viajantes
no deserto, e neste caso poderia convidá-los para
 descansarem, beber e comer com ele. Inclusive
quando ele fez sua própria circuncisão (em hebraico,
 brit milah, aliança da carne) aos 99 anos de idade,
 no seu, digamos assim, “pós-operatório imediato”
 ficou na sua tenda esperando viajantes. E não foi a toa,
 que neste dia recebeu viajantes na forma de homens,
 que seriam anjos, que dentre outras coisas lhe
contaram que em breve sua idosa esposa, Sarah,
 iria lhe dar um filho.
Por outro lado, a tsedakah feita com chessed deve
 servir a um propósito. Conta uma anedota, que as
vésperas do Iom Kipur (Dia do Perdão, dia em que
 segundo a tradição os homens são julgados por
 D-us) o rabino de uma sinagoga informou aos presentes
 que como os pecados deles eram muito grandes,
eles precisariam fazer um tsedakah de um milhão de
 dólares. Dias depois o rabino disse: - “Consegui resolver
 metade dos nossos problemas”! Então alguém teria
 comentado: - “Então só precisamos fazer uma tsedakah
 de 500 mil?”. E o rabino respondeu: - “Não, eu já
 descobri para quem poderemos doar”! A idéia aqui implícita
 é que não é doar por doar, nem doar apenas porque
 se é (ou se quer ser) bom, mas para participar do tikum
olam, algo como que poderia ser traduzido como concerto
 do universo. Para entendermos um pouco a intrínseca
 correlação que há entre tsedakah-chessed -tikum olam,
 penso que devemos
 recorrer a “exemplos” divinos. Por mais paradoxal que possa
 parecer, entendo que a expulsão do homem do paraíso
 seria um exemplo paradigmático desta interação. A punição
 foi, antes de tudo, uma espécie de dádiva. Corrigir
 a desobediência do homem, um ato de doação da
 sabedoria divina, foi feito com chessed, na medida
em que tirou o homem do paraíso e o colocou no
nosso mundo imperfeito, dando a seres humanos
a possibilidade de sermos parceiros de D-us no
concerto/melhoramento deste mundo. Permanecendo
 para sempre no Paraíso, um lugar perfeito,
 onde nada precisava ser concertado, o homem não
 teria como participar do tikun olam. Para explicar esta
 questão, alguns fazem alusão a um diálogo que teria
 ocorrido entre um imperador e um sábio judeu.
O imperador teria perguntado: - “O D-us de vocês
é bom e sábio”? O judeu respondeu: - “Sim, claro” !
 E, continuou o imperador: - “Então ele criou um corpo
 humano perfeito. Então porque vocês judeus profanam
 esta obra, fazendo, a circuncisão”? Nisto o sábio teria
respondido: - “Não, não! A questão é que você não
entendeu. D-us é tão bom, tão perfeito e tão sábio,
 que nos fez com um pequeno defeito, para que nós,
 desde pequeninos, aprendamos que temos que
participar junto com Ele do concerto do universo”!
Enfim, retornando a nossa pergunta norteadora.
 Penso que uma boa uma perspectiva judaica sobre
 generosidade seria aquele fizesse uma articulação,
 mais ou menos assim de certas palavras-conceito:
 doação sábia e justa (tsedakah), realizada com
 bondade “desinteressada” (chessed), com o
 propósito de participar do melhoramento/concerto
 do mundo (tikum olam).
Shabat Shalom!

Maximiliano Ponte 

domingo, 2 de dezembro de 2012

ISAAC DE CASTRO: UM SHAMASH PARA O POVO JUDEU


Nesta próxima segunda-feira, dia 03 de dezembro de 2012,
será o dia 19 de Kislev de 5772, pelo calendário hebraico.
A partir da segunda-feira faltará
aproximadamente uma semana para o inicio dos oitos dias de
celebração da festa de Chanukah. Nesta época, os judeus celebram
 a vitoria dos rebeldes dos Macabeus, contra o poderoso exercito sírio,
 cujo rei Antioco havia além de proibir as praticas judaicas tradicionais
 como a circuncisão, a guarda do shabat e o estudo da Tora, profanou o
 Templo de Jerusalem, por volta do ano 165 da era comum. Na segunda
 feira, é possível que judeus enfeitem suas casas, com bandeirinhas de Israel,
 talvez alguns com sevivons, quem sabe alguns usem letreiros modernos
de “Happy Chanuka”. Caso não tenham comprado, irão comprar as velas
 com as quais irão acender durante oito dias suas chanukiot (velas de 9 braços,
 sendo que cada braço representa um dos dias da festividade,
 e o central, o shamash, é espécie de vela piloto
usada para acender as demais). Crianças, por vezes estarão
ansiosas pelos presentes que irão ganhar, como também pelas moedas
de chocolate que irão comer. Mas no dia 19 de Kislev de 5407 (15 de
 dezembro de 1647) eram queimado vivo pela inquisição portuguesa um
 jovem de mais ou menos 22 ou 23 anos. Ele entrou para história judaica
com o nome de Isaac de Castro, mas tinha o nome cristão de Tomas Luis
de Castro, e o hebraico de Isaac ben Abraham de Castro. Isaac era filho
de cristão novos portugueses, convertidos a força no pais lusitano e
 nasceu na França, durante a rota de fuga de sua família de Portugal
para Holanda. Na Holanda, aos quinze anos juntamente com o pai retornou
 solenemente ao judaísmo, da qual a família só havia de afastado na
 aparência externa. Veio para o Pernambuco na época de Nassau, talvez
 sobre influencia de seu tio materno Moises Rafael Aguilar que foi
rabino da Kahal Kadosh Maguen Abraham, sinagoga que rivalizava
 a época com a famosa sinagoga de Recife Tsur Israel. Isaac foi preso
 na Bahia, após uma curta vida atribulada e fracassada enquanto
 comerciante. Isaac de Castro passou dois anos no cárcere da
 inquisição, acusado de praticas de judaísmo, o que era proibido
 visto que para igreja ele era católico, por ter sido batizado. Jovem
 inteligente e erudito, “esgrimou” teologicamente com os inquisidores,
 defendendo a fé de Moises. Os inquisidores em vão tentaram convence-lo
 a abandonar sua fé, no que ele relutou. Foi queimado vivo, cerca de uma
 semana antes de Chanukah. Isaac de Castro foi queimado e tornado uma tocha
 humana, e ao se transformar e ao ser transformado em mártir, em mito,
 tornou-se com um shamash, iluminando as esperanças de judeus de seu tempo,
 e de nossos tempos. Dizem os sabios que realmente somente morre,
 aquele que é esquecido. Assim, uma semana antes de nos lembrar dos
 Macabeus, os heróis de Chanukah, nos lembremos, e Isaac de
 Castro, jovem judeu franco-portugues, que viveu no Brasil e se foi em Kidush
HaShem, na Europa obscurecida pelo manto da intolerância.
Que sua luz não se pague, e nos ilumine.
Maximiliano Ponte

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

PERASHA CHAIE SARAH: ELA É UM POÇO DE BONDADE!


Esta semana ao ler a persasha “Chaie Sarah”
 uma pergunta invadiu a minha mente: Porque
Abraham Avinu foi procurar uma esposa para Isaac
 Avinu entre seus parentes em sua terra? Essa
 pergunta torna-se relevante se atentarmos para
 o fato que Abraham Avinu, deixou sua terra e
 seus parentes idólatras por ordem de HaShem,
 para fundar em uma outra terra, Canaã, um novo
 povo que se regeria pelos idéias do monoteísmo e
 da justiça. Uma resposta simples para a pergunta
 antes apresentada seria lembrar-nos que o povo
 cananeu era um povo descrito na Torah como de
 maus hábitos. Assim as cananeias não seriam
 mulheres adequadas para Isaac Avinu. Porém
 também é preciso lembrar que Abraham Avinu,
 juntamente com Sarah Imanu foram grandes
 proselitistas. Sob sua influencia pessoas,
 de diferentes origens, inclusive cananeus
 adotaram o monoteísmo, sendo inclusive
 circuncidados. Alguns midrashim, inclusive
contam histórias de que Abraham Avinu teria
uma grande Yeshivah com muitos e muitos
 alunos, estudando e adotando o monoteísmo.
 Então, seria fácil supor que haveria entre estes
 que seguiram Abraham Avinu moças que
poderiam casar com Isaac Avinu. Deste modo,
 a pergunta inicial retorna: Porque Abraham
Avinu foi procurar uma esposa para Isaac Avinu
 entre seus parentes em sua terra? Conversei
 com o amigo rabino Jacques Cukierkon a respeito
 da questão. Da conversa saí com mais dúvidas e
 com duas recomendações: a. Ler os comentaristas
 clássicos da Torah; b. Atentar que a Torah pode
 ser vista e entendida de vários modos, sendo um
 deles a partir de sua perspectiva filosófica e ética.
Como um “bom aluno” vou seguindo as recomendações
 de modo parcial e de acordo com minhas
 conveniências. A leitura dos clássicos, farei, rabino,
 noutro momento... Quanto a segunda recomendação
 exploro neste momento, mudando a pergunta
 inicialmente posta, para a seguinte: Que ensinamento
ético poderíamos extrair para nossas vidas a narrativa
 da busca de uma esposa para Isaac Avinu, na terra e
 entre a parentela de seu pai? Vejamos. Abraham Avinu
 tinha que tomar uma decisão... Onde e como procurar
 uma esposa para seu filho. A reputação dos cananeus
 não era das melhores, e a dos seus parentes muito
 menos. Mesmo neste contexto ele, decidiu mandar
 um cananeu (Elieser, seu servo, mais no sentido
 de gerente,do que de escravo, circuncidado e seguidor em fé)
 procurar
 entre os seus parentes (de Abraham Avinu) uma esposa
 para Isaac Avinu. Na Torah está decisão foi de Abraham
 Avinu e não uma ordem de D’us. Mas na sequencia
 HaShem intercede indicando a Elieser como identificar
 a moça ideal para Isaac Avinu: aquela que oferecesse
 água para ele e para seus dez camelos. Abraham
 Avinu, era um homem iluminado, deixou nas mãos
 de seu servo cananeu o destino matrimonial de seu
 filho, e também todo seu patrimônio, pois diz-se
que ele viajava com um espécie de procuração de
todos os bens de seu amo. A origem Cananéia de
 Elieser não ofuscou a confiança de Abraham Avinu.
 Por outro lado, casar seu filho com uma filha de Elieser
 não parecia ser uma opção. Ela era uma Cananéia!
 Abraham Avinu era um homem iluminado, mas era um
 homem, um homem de seu tempo. A escolha recairia
 sobre um parente de Abraham Avinu. Mas como?
Se eles eram idólatras! Aí intercede D’us ao apontar
 a bondade, como atributo essencial para escolha.
 A questão não era de que terra seria a esposa de Isaac
 Avinu, nem a que família ela pertenceria. O importante
 para D’us é que ela fosse boa, tivesse bondade em
 seu coração, que fosse cordial com um humilde viajante
 desconhecido, e até mesmo com os seus muitos animais.
 Assim, podemos supor que um ensinamento ético desta
 perasha é importância do atributo da bondade.
A bondade, dos homens, mesmo a dos melhores homens,
 como a de Abraham Avinu não se igual a de Hashem.
 E para Ele não importa de que terra alguém seja, nem
 a qual família alguém pertença (como nos costumamos
 avaliar as pessoas e em especial os pretendentes
 em potencial de nossos queridos filhos). O que
importa é a bondade no coração. E para “sorte” de Issac
 Avinu, e de todos nós, a beira da fonte d’agua Rebeca
Imanu, demonstrou que era “um poço de bondade”...
Shabat Shalom
Maximiliano Ponte