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quarta-feira, 31 de março de 2010

PESSACH E EU


A saída do Egito e o “parto dos judeus”,
enquanto povo fazem parte dos eventos
principais lembrados em Pessach. Nossos
sábios dizem que “em cada geração todo
pessoa deve sentir-se como se ela própria
tivesse saído do Egito”. Entendo que a idéia
intrínseca a esta prescrição é que os judeus
deveriam se esforçar para apreender
profundamente os ensinamentos de sua
história, construindo pontes associativas entre
o percurso de seu povo e os percalços de suas
vidas individuais. Neste sentido, Pessach tem
um significado especial para os judeus em
geral. Pouco posso falar, entretanto, a respeito
dos sentimentos gerais dos judeus em geral.
Mas posso tentar descrever os sentimentos de
um judeu em particular, para exemplificar a
força simbólica desta efeméride, e o papel
central que esta tem no universo conceitual
judaico. Para mim, um judeu retornado ao
judaísmo por meio da conversão, sendo
descendente dos bnei anussim, Pessach tem
um significado pessoal, cuja importância
reside em puder me re-conectar
simbolicamente ao povo, do qual meus
antepassados foram brutalmente apartados por
meio das fogueiras da inquisição portuguesa e
espanhola, e de seus tentáculos no Brasil. Tal
como a conversão ao judaísmo, a libertação do
Egito foi um processo que exigiu paciência,
obstinação, ajuda mútua, e a mão do Eterno
para nos guiar. O primeiro evento comunitário
que tive a oportunidade de participar foi um
Seder de Pessach na Hebraica, a convite de
uma grande amiga. Nesta oportunidade algo
mudou em mim. Era como se percebesse que
havia outro modo de viver, diferente daquele
que estava acostumado. Penso que é possível
supor que algo análogo ocorreu com os judeus
escravos no Egito. Explico-me, antes de se
querer a liberdade é preciso se atentar que a
vida de cativo não é única que existe. Por
outro lado, mudanças não se dão sem certa
dose de ruptura. Há sempre um momento no
qual, temos que dizer: Basta! E reorientar de
forma definitiva o rumo de nossas vidas.
Nossos antepassados, em determinado
momento do processo que culminou com a
saída do Egito, disseram: Daienu!. O meu
“basta”, ou seja, a tomada de decisão que me
pôs num caminho sem volta no meu processo
de retorno se deu quando fui circuncidado na
saída de Pessach, do ano seguinte. É
importante também demarcar, como o faz o
Rabino Maurice Lamm, em “Bem-vido ao
Judaísmo: retorno e conversão”, a profunda
semelhança que há entre a saída do povo
judeu do Egito e o processo de conversão.
Lembremos que uma das primeiras
determinações de D’us foi ordenar que os
homens que partiam do Egito rumo à
liberdade, antes fossem circuncidados, tal
como se faz com os convertidos. Ambos, o
povo há três mil anos e o prosélito que se
converteu anteontem, de uma forma ou de
outra passaram por um processo de Teshuva.
Na saída do Egito tinha-se de um lado o
Faraó, cujo coração endurecido por D’us não
conseguia se arrepender e libertar-nos, e do
outro os judeus, fazendo Teshuva. Diz-se que
foi somente com a saída do Egito que os
judeus passaram a ser o Povo de Israel (Am
Ysrael). Os judeus nasceram como povo na
saída do Egito. Por outro lado, a minha
tevilah, juntamente com de outros chaverim e
chaverot, deu-se a poucos dias do início de
Pessach, deste ano de 5770. Naquele
momento, nascíamos simbolicamente como
judeus. Por outro lado, embora o povo tenha
nascido como tal na saída do Egito, não
significa que os patriarcas Abraão, Isaac e
Jacó, tenham sido esquecidos. Eles são
lembrados como “avotenu”, nossos pais,
enquanto Moises é como “rabenu”, nosso
mestre. O convertido embora seja um recém-
nascido, não é desprovido de passado. Ele
continua, por exemplo, com a obrigação de
honrar seus pais não-convertidos.
Especificamente no meu caso, atei as pontas
de meu passado a de meu futuro, adotando
como nome hebraico Yehudah Guershom ben
Abraham Avinu. Minha herança marrana está
simbolicamente posta neste nome. Escolhi
Yehudah, pois foi o reino de Judá aquele
perdurou, foi Rabi Yehuda Hanassi, que
subverteu regras postas, e escreveu a Torá
oral, foi Yehudah Macabi, herói de Chanuka
que lutou contra a assimilação grega e venceu
milagrosamente. Já Guershom, traz em si
marca do estrangeiro, “guer”, sendo o nome
do filho de Moises, um exemplo de Baal
Teshuva, pois criado como egípcio, retornou a
seu povo para guiá-lo rumo à liberdade.
Ademais, neste nome encontram-se as
mesmas consoantes que formam a palavra
“Ponte”, “Guesur”, em hebraico, sobrenome
de origem judaico-iberico, que trago comigo
até hoje. Permanência, subversão, heroísmo e
retorno são marcas deste distante (e tão
presente) passado judaico que trago junto a
mim. Fiz esta escolha lembrando-me, de certa
forma, de Moshe rabenu. Quando ele estava
para sair do Egito, rumo à liberdade apressou-
se também em levar consigo algo muito
importante do passado, o ataúde com os ossos
de José. O passado, portanto não pode ser
deixado para traz. Meu novo nome, como os
ossos do filho de Jacó, faz a “ponte” entre
passado e futuro. Desta forma, se eu me
esquecer do meu passado, meu nome me
lembrará. Por fim, no shararit do primeiro dia
de Pessach, deste ano, tive a honra de pela
primeira vez abrir o Echal para a leitura da
Torá. Naquela situação, pude ver de certa
altura os demais chaverim. Era como se visse
do alto de um morro o caminho da liberdade, e
ao longe avistasse amigos/irmãos, que um
pouco antes de mim soltaram-se dos grilhões,
a me esperar. E era isso que eu vi mesmo,
irmãos sefaradi dos quais me separei há quase
quinhentos anos. Naquele momento de jubilo
pensei: “Faraós hoje são múmias, inquisidores
envergonham a história humana. E eu
retornei!”. Naquele momento, lágrimas
contidas, lavaram-me por dentro, como noutra
tevilah.
Chag Pessach Sameach
PS1.: Figura ao lado é uma foto de quadro
pintado por Norma Ponte, minha mãe.
Maximiliano Ponte

Um comentário:

  1. Muto bonito, Yehudah!
    Estou no caminho.
    Seu aceno me anima a seguir em frente.
    abraços
    Katia

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