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sexta-feira, 17 de junho de 2011

SHELACH LECHA: ENSINAMENTOS DA TORÁ A UM PSIQUIATRA


Em um consultório de psiquiatria
ouvimos muitas histórias, principalmente
histórias de perdas e tristeza. Esta semana
lembrei-me de um caso de uma mulher que
após um casamento tumultuado e infeliz
separou-se de seu esposo, um homem
descrito como violento, cruel e insensível.
A despeito de sua “libertação”, e desta já
ter ocorrido há algum tempo, sua tristeza
era abissal. Chamaram-me atenção dois
aspectos relacionados ao seu sofrimento.
O primeiro era que com certa freqüência, ela
que estava muito entristecida, ao falar sobre
o seu casamento referia-se a aspectos felizes,
e a imensa saudade que tinha “daqueles tempos”.
O outro ponto era que ela tinha um grande receio
de se envolver afetivamente com outras pessoas.
Por vezes até dizia, naquele tom de “brincadeira”
que muito nos diz sobre os desejos contidos das
pessoas, que gostaria de poder acessar o futuro e
ver se seria ou não feliz que um parceiro em
potencial, ou até mesmo, pedir para alguma
amiga “testar” antes um pretendente. Ou seja, ela
apresentava um sentimento profundo de dúvida
e desesperança em relação ao futuro. E o seu
quadro depressivo, apesar de todas as
intervenções psiquiátricas e psicoterápicas, tinha
uma melhora apenas discreta.
A leitura da perashiot das últimas semanas,
e em especial a desta semana, me ajudaram a
compreender um pouco melhor alguns aspectos da
alma humana, e da própria Torá. Na perashah,
Behaalotechá, a pouco lida, vimos o povo judeu
“resmungando” e se mal-dizendo no deserto. E o
povo que a pouco tinha se libertado de uma
escravidão de mais de dois séculos diante das
dificuldades da liberdade lembrava de forma
melancólica e idealizada o tempo em que estiveram
no Egito. Distorcendo a realidade, recordavam
dos melões e da carne que recebiam “de graça”
de seus algozes. Costuma-se creditar esta distorção
da realidade a “mistura de pessoas” que saiu do
Egito. Ou seja, a outros povos que eram
igualmente escravizados e que saíram do cativeiro
juntamente com os judeus. Sem discordar, e quem
sou eu para discordar de nossos chachamim, acrescento
que também poderia explicar este comportamento,
outro tipo de mistura, a “mistura de sentimentos”.
Quando olhamos para o passado triste
com olhar da desesperança/receio/medo quanto
ao futuro, distorcemos o mesmo. Aquilo que já foi
vivido, mesmo que de modo infeliz, torna-se mais
seguro, do que o futuro incerto, sendo assim
representado como uma época de felicidade.
Basta lembrarmo-nos da paciente que antes comentei.
Desta forma, diante dos resmungos do povo, D’us
deu-lhes durante um mês uma grande provisão de
carne. Talvez, mostrando-lhes que o futuro poderia ser
diferente e melhor que o passado.
Já na perasha desta semana, Shelach Lecha,
os judeus mantendo sua descrença quanto ao futuro,
pedem a Moshe Rabenu, que enviem alguns espiões
para ver como era a Terra de Israel, sobretudo o que
nela tinha e os desafios que teriam que enfrentar
para alcançá-la. Hoje, de modo estupefato, vejo a
semelhança que há entre a atitude tomada pelos
judeus no deserto, e o devaneio da paciente que
por vezes, no âmbito no chamado “pensamento mágico”,
gostaria de ver o futuro, ou que amigas experimentassem
antes os seus pretendentes. A história todos nós bem
sabemos. Os espiões foram, viram as virtudes da
terra que “emana leite e mel”. Porém, sempre há um
porém, também viram as dificuldades que poderiam ter
na conquista da terra. E ao relatarem para o povo
distorceram o que viram, e falaram mal da terra.
E “o povo chorou ...”.
Diante dos “resmungos” do povo que
maldizia o presente, distorcendo/idealizando
o passado, D’us foi benevolente, deu-lhes carne.
Mas diante do choro, desesperançado quanto ao futuro
D’us irou-se. O dia em que o povo chorou foi 9 de Av.
E as grandes tragédias do povo judeu ocorreram ou
se iniciaram neste fatídico dia, nos anos seguintes:
destruição do 1º e do 2º Templo; eventos ligados
aos editos de expulsão dos judeus sefaridi
da Espanha e Portugal, intrinsicamente ligado as
perseguições inquisitoriais; e outros relacionados
a própria segunda-guerra mundial, que trouxe
consigo a Shoá. O povo chorou sem motivo, e D’us
lhes (deu-nos) motivos.
Penso que D’us admite e compreende que
fiquemos tristes, que idealizemos o passado.
Mas sabe, e, sobretudo nos comunica, e nos faz
lembrar, de modo duro e direto, que não podemos
deixar de acreditar na sua providência. E não é à toa,
que esta perasha termina com a mistvah do uso
do Tsitsit, que nos faz “lembrar”, tanto das nossas
obrigações como da benevolência de Hashem.
Voltando para a paciente, a mesma somente
começou a sair do quadro depressivo, quando
começou a acreditar que poderia ser feliz de novo,
a acreditar num futuro melhor, a se arriscar e
lutar, por si mesma. Foi necessário que percebesse
que o fim do casamento, e a tristeza a ele associado
era o prelúdio de uma vida nova e diferente, e não o
fim em si mesmo. Assim, também nós judeus
devemos entender que mesmo as intervenções
divinas mais duras, prazem consigo bênçãos.
É verdade que a destruição dos Templos trouxe
a diáspora. Mas também é verdade que a dispersão
permitiu que nosso povo crescesse em diversidade.
A diáspora permitiu que tivéssemos o Talmud da
Babilônia e o de Jerusalém. Na Shoá, tomando de
empréstimo as palavras do Rabino Israel Meir Lau,
ex-rabino chefe de Israel, milhares de judeus “subiram
em céu de tempestade” para junto do criador.
Mas sobre os seus ossos, como previram nossos
profetas, o Estado de Israel foi restaurado.
O bem virá, com maior ou menor dificuldade, nesta
ou noutra geração, nesta ou noutra vida.
Mas, não podemos e não temos o direito perder
a esperança.
Maximiliano Ponte
Shabat Shalom!

3 comentários:

  1. Excelente texto, achi... ao invés do link, poderias ter publicado o texto no facebook e depois ter colocado o link...do tipo donde veio este, tem mais....heheeh

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  2. Concordo com o Thelmo. É uma boa dica, e muitos poderão se beneficiar de seus escritos.

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