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terça-feira, 4 de outubro de 2011

QUATRO DE OUTUBRO: UM SÉCULO SEM SARAH BEILA


Quando Sarah nasceu, por volta de 1881,
o Brasil ainda era uma monarquia. Mas
para bem da verdade não há nada que possa
garantir que Sarah tenha nascido no Brasil.
Certo mesmo, é que ela morreu, em Manaus,
quando o país ainda era uma muito jovem república.
Pouco se sabe sobre ela, além das poucas
informações que constam em sua lápide no
cemitério São João Baptista, na capital amazonense.
Maimônides nos dizia que apesar de as mitzvot
relacionadas aos sacrifícios rituais e outras tantas
não possam ser praticadas nos nossos dias, isso
não significa que elas estão anuladas (que D’us
não permita) e que não tenhamos nenhuma obrigação,
enquanto judeus, em relação a elas. O chacham
espanhol dizia que devíamos estudá-las, buscando
compreendê-las, mesmo sabendo que pouco
entenderíamos e muito menos ainda praticaríamos.
Faço a partir deste ensinamento uma analogia,
com as inúmeras ressalvas necessárias, com a busca
da história de Sarah: nunca saberemos completamente,
mas não podemos, por outro lado simplesmente esquecê-la.

As “pistas”: pontos de partida para elucubrações.
Uma eventual primeira pista seria o fato de Sarah
ter sido enterrada fora do cemitério judaico. Isso
poderia nos relevar algo? Em outro contexto talvez,
mas neste específico não. O Cemitério Israelita
de Manaus só entrou em atividade por volta de 1928.
Antes desta data os judeus eram enterrados no
cemitério São João Baptista ao lado dos goyim.
De fato, há pelo menos 94 sepulturas judaicas
nesta mesma situação, conforme levantamento da
Chevrah Kadisha local.
Outra pista seria o seu nome. O nome Sarah
(gravado em hebraico como shin, resh, he)
é um nome judaico feminino muito comum,
o mesmo não pode ser dito do segundo, Beila (gravado בלה)
. Conversando com alguns amigos, notamos a semelhança
de Beila, com Bella. Seria uma alusão a sua possível formosura?
Investigando um pouco mais pode se saber que
Beila também é uma variações de Bayla, um nome de
fato comum, entre judeus de origem azquenazi. De fato,
um amigo judeu de origem polonesa, disse-me inclusive
que este era o nome de sua avó, e que o fato de faltar
um “yod” em בלה para que a pronuncia fosse Beila
não seria um grande problema. Já meu moreh de
hebraico Pinchas ben Abraham me explicou que a “palavra
בלה (balo) é um verbo, sua raiz significa: apodrecer,
deteriorar, envelhecer, e também significa passar
o tempo, divertir-se. Na formar Balê (adjetivo)
significa: velho, usado... sua forma é feminino”. Outro
ponto ainda importante em relação ao nome é que
este não aparece como do modo tradicional hebraico,
ou seja, Fulana bat (filha de) Beltrano. Digno de nota
ainda é o fato que não há nenhuma referência a nomes
de familiares. Na lápide está gravado apenas “saudades
de suas amigas”. Um último ponto, das poucas “pistas”
é que Sarah morreu aos 30 anos, em 1911, em pleno o
boom da borracha, e da belle epoque amazônica.

Juntando (ou criando junções entre os) pontos: Seria Sarah uma judia de origem askenazi?
O que ela faria no Amazonas que recebeu
principalmente judeus sefaradi vindos, sobretudo
do norte da África? Tem-se registro que muitas belas
jovens judias do leste da Europa foram ludibriadas
e traficadas para o Brasil, incluindo para o Amazonas,
para trabalharem como prostitutas (as polacas). E para vergonha
de Am Israel, muitas vezes inclusive pelas mãos de
organizações criminosas compostas por judeus (aos
interessados sugere-se o livro “Cabelos de fogo” de
Marcos Serruya). Se este fosse o caso de Sarah,
seriam desconcertantes as “coincidências” dos possíveis
significados do nome Beila/בלה: a semelhança com bela,
a associação com Balo e balê (que inclusive poderia
neste contexto ter relação com a ideia de perdida ou
desgraçada). Faria ainda sentido a época de sua morte,
e de certo modo o fato de ter morrido tão jovem. A vida
difícil, a violência, a vergonha abreviaram a vida de muitas
destas mulheres. A ausência do nome de familiares e a
referência apenas das “amigas”, é outro ponto que nos
permite tecer este caminho especulativo. Sabe-se que em
diferentes lugares estas mulheres organizaram associações
de ajuda mútua. Teria sido a lápide uma última
homenagem de suas companheiras de trabalho, de infortúnio
e de fé? De fato, como dito antes nunca saberemos.
Sarah poderia ser alternativamente uma jovem sefaradi
ou francesa que morreu de parto, malária ou outra mazela.
Poderia ter morrido viúva e sem posses, deste modo outras
mulheres piedosas financiaram seu sepultamento. Muitas
poderiam ser suas historias. A verdadeira, talvez nunca saberemos.

Outras “coincidências”No último domingo 02/10/2011, dia em que a comunidade
judaica de Manaus fez sua visita coletiva ao cemitério,
no período entre Rosh Hashana e Iom Kipur, vi pela primeira
vez a sepultura de Sarah, pequena e estreita, entre outras
tantas sepulturas de goyim. Como minha história oficial com
o judaísmo nesta vida é relativamente recente, e como
não sou natural do amazonas, não tenho parentes sepultados
no cemitério de Manaus, seja no israelita ou no São
João Baptista. Mas eu estava disposto a visitar uma
sepultura, de alguém que não receberia provavelmente
nenhuma visita. Ou seja, alguma das 94 sepulturas que
estão fora do cemitério israelita. Um chaver me disse que
conhecia uma, e me levou até Sarah. Colocamos algumas
pedrinhas e fui embora. Quando cheguei em casa, fui
folhear o livro Eretz Amazônia de Samuel Benchimol.
Lá pude ver que a data de morte de Sarah foi 04/10/1911.
Vejamos algumas “coincidências”, agora comigo mesmo:
1. Há uma semana recebi de presente de uma aluna o livro
“Cabelos de Fogo”; 2. Li este livro no primeiro dia de Rosh
HaShana; 3. Minha irmã mais velha nasceu em quatro de
outubro; 4. Dois dias de eu ter entrado em contato com Sarah,
pelo calendário gregoriano completaria, um século de
sua morte! (Pelo calendário hebraico, a data seria 12 de
Tishiri, época em que não se recomenda que se visite o
cemitério).

O dia seguinte ao encontro e o que de fato sabemosNo dia 03/10/2011 fui novamente ao cemitério acender
uma vela para Sarah. O dia estava atipicamente cinzento,
e com uma brisa inusual. Procurei novamente a
sepultura dela. Andava, andava e não achava. Passou
pela minha cabeça: será se não vou encontrar?
Não é possível! Acho que andei por mais de meia hora.
Com auxílio da zeladora do cemitério israelita achei.
E depois de achá-la parecia que era impossível
não ter visto antes! Preventivamente eu havia levado
um pote de vidro onde eu pretendia acender a vela,
para que não apagasse. Mas esta estratégia não
funcionou. Uma chama pequena, frágil balançava
ao vento, quase como estivesse dançando. Várias
e várias vezes, a vela apagou. De fato para que a
chama se mantivesse acesa, eu tive que ficar ao
lado dela, tapando o vento com as mãos. Pensei
então que deveria fazer um esforço para manter a
vela acesa por pelo menos trinta minutos.
Durante este tempo, meu pensamento voou e bailou
ao compasso da frágil chama. Pensei:
quanto tempo faz desde que alguém ficou por
tanto tempo ao lado desta sepultura? Sarah Beila
seria seu verdadeiro nome? Ou um nome fictício”,
com significados ocultos? Teria ela tido filhos? Saberiam
que eram judeus? Por onde estaria sua alma?
Teria voltado? Teria tido uma vida melhor que a anterior?
E tantas coisas.
Por fim, me indaguei: de ante de todas estas perguntas,
o que de fato sabemos? De fato sabemos que há um
século morreu uma judia, que por algum motivo fui
sepultada de modo que fosse identificada e não esquecida
a sua condição judaica. Cem anos após sua morte pode
confortar um judeu, cuja história judaica a inquisição tentou
em vão apagar. Um século depois de sua morte me permitiu
cumprir esta mitzvah... Isso eu não posso esquecer.
De agora em diante, Sarah Beila, com o devido respeito a
seus parentes biológicos, e seja qual for sua história
será com uma tia minha (espiritual ou imaginaria, como
queiram... E lhe visitarei e cuidarei de sua
sepultura. E sendo bem sincero, não sei se faço isso por
ela ou por mim. Talvez nunca saberei...
Maximiliano Ponte

3 comentários:

  1. Muito bonito o teu relato,emocionante. Kol ha Kavod. Hazak Baruch!

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  2. Caro amigo, quanto mais lhe conheco mais te adimiro....sensibilidade te sobra ao pensar sempre no proximo, inclusive pela propia atividade profissional.....Naquilo que acredito, estamos nesse mundo para alimentar nosso espirito , e a mitzvah que vc relata acima confere uma atitude reservadas a poucos....
    Forte abraco, shanah tova e conte sempre comigo amigo
    David Benzecry

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  3. em nossas conversas tanto em jerusalem e pela internet.isso me dar forca de continuar nossa missao aqui no mundo gostaria de ter breve em israel com seus filhos
    shana tova!
    abraham david franco

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