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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SAMUCA, SEUS CACHINHOS E A INTOLERÂNCIA

Samuca é o meu filho mais novo, de quatro anos
 de idade. Ele, sem falsa modéstia é um menino
inteligente, amável, brincalhão e querido por
 todos, seja em casa, no condomínio onde
moramos, ou na sua escola. O Samuca,
 como eu, seu pai, usamos uns “cachinhos”
 na lateral. O nome destes cachinhos em
 hebraico é “peyot”. Alguns judeus religiosos,
 ou mais tradicionalistas, mantêm estes
 cachos como uma espécie de “glorificação
 do mandamento de não cortar o cabelo rente
 nos lados da cabeça” (veja Vayicrá 19:27).
Os judeus sefaradi (de origem ibérica), quando
 usam peyot tendem a usá-los curtos e colocá-los
 por trás da orelha, enquanto judeus as asquenazi
(do leste da Europa) tendem a usá-los expostos e
 longos. Trata-se, portanto de um costume, que
 guarda relação com o pertencimento étnico-religioso.
 Samuca e eu, usamos peyot, digamos assim,
a moda sefaradi.
É bem verdade, que não conseguimos em geral domar
 os peyot do Samuca, e raramente ele deixa por
 trás da orelha. Ele costuma tirar de trás da orelha,
 e dizer que gosta de seus peyot “soltos”. Vez ou outra
alguém pergunta para o Samuca porque ele usa
 aquele tipo de corte de cabelo, chegam até a
 elogiar dizendo que está na moda. Samuca
 rapidamente corrige seu interlocutor e explica,
 “não é moda, são os meus peyot, uso porque sou
 um menino judeu”.
Samuca estuda em uma escola classe de
classe-média alta, com algumas filiais na cidade onde
 moramos. Trata-se de uma escola conhecida
 localmente pela qualidade acadêmica e pela
preocupação com a disciplina. Para nosso espanto,
 soubemos que um pai de uma criança da mesma
 filial onde o Samuca estuda se deu ao trabalho de
ir até a sede geral da escola questionar o motivo
 pelo qual ele estaria usando aquele “cabelo grande”.
 A primeira idéia que me veio a cabeça foi: anti-
semitismo. Os judeus foram e continuam a ser bodes
 expiatórios e alvos de ira e ódio irracional por
 parte de diferentes pessoas e grupos sociais,
 em diferentes partes do mundo, inclusive no
 Brasil. Entristeci-me com esta possibilidade,
 sobretudo, porque nestes dias, nossa comunidade
está brindando a sociedade de nossa cidade com
 uma bela exposição sobre Anne Frank, jovem
 judia que se tornou um dos símbolos das vitimas
 do anti-semitismo, vitima da barbarie nazista,
 junto com outros milhões de judeus, ciganos,
 deficientes mentais, e outros diferentes...
Um amigo rabino, inclusive me aconselhou a
não levar meus filhos pequeninos para ver a
exposição, para deixá-los viverem um pouco
mais as suas inocências. Assim, fiz. Mas a
realidade nua e crua surge a nossa frente.
Alguns podem dizer que não foi nada disso, e
 que eu estaria sendo paranóico. Gosto da
 seguinte resposta para esta situação: Até os
 paranóicos tem inimigos!
Continuei pensando. Bom talvez não seja
 anti-semitismo mesmo. Talvez o sujeito
 nem saiba o que são peyot, muito menos
 que somos judeus. Isso diminuiria o
 problema? Penso que não. Pois afinal, a
 indagação feita a respeito dos peyot do
 Samuca, seria uma espécie de intolerância
 ao diferente. Tudo bem, talvez, não uma
 intolerância aos judeus. Mas isso não muda
 absolutamente nada. O anti-semitismo é um
 tipo de intolerância. Sentir o bafo quente da
 intolerância em nossas nucas, mesmo que
 não esteja relacionada ao anti-semitismo,
 não diminui em nada o mal estar. Talvez
até aumente ao constatar a miríade de formas
 de “ódios gratuitos” que sente o homem,
 pelo homem.
Tratarei este caso, tal como a fiz em relação
 a exposição de Anne Frank. Deixarei este
 assunto longe do conhecimento do
 Samuca, mantendo um pouco mais a
inocência dele, de modo análogo ao
recomendado pelo rabino... Mas por outro
 lado, faço aqui, minha pequena exposição.
 Afinal, o nome do mal que matou Anne e
 questionou o cabelo do Samuca é o
mesmo: INTOLERANCIA, seja o sobrenome,
 ANTI-SEMITISMO, ou não.

(Registro aqui o agradecimento a escola que se
 mostrou ética e respeitosa com nossos costumes,
 e que em momento algum endossou qualquer
 prática de intolerância, ou desrespeito para conosco.)
Maximiliano Ponte

Shabat Shalom

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