Samuca é o meu filho mais novo, de quatro
anos
de
idade. Ele, sem falsa modéstia é um menino
inteligente, amável, brincalhão e querido por
todos,
seja em casa, no condomínio onde
moramos, ou na sua escola. O Samuca,
como
eu, seu pai, usamos uns “cachinhos”
na
lateral. O nome destes cachinhos em
hebraico é “peyot”. Alguns judeus religiosos,
ou
mais tradicionalistas, mantêm estes
cachos
como uma espécie de “glorificação
do
mandamento de não cortar o cabelo rente
nos
lados da cabeça” (veja Vayicrá 19:27).
Os judeus sefaradi (de origem ibérica),
quando
usam
peyot tendem a usá-los curtos e colocá-los
por
trás da orelha, enquanto judeus as asquenazi
(do leste da Europa) tendem a usá-los
expostos e
longos. Trata-se, portanto de um costume, que
guarda
relação com o pertencimento étnico-religioso.
Samuca
e eu, usamos peyot, digamos assim,
a moda sefaradi.
É bem verdade, que não conseguimos em geral
domar
os
peyot do Samuca, e raramente ele deixa por
trás
da orelha. Ele costuma tirar de trás da orelha,
e
dizer que gosta de seus peyot “soltos”. Vez ou outra
alguém pergunta para o Samuca porque ele usa
aquele
tipo de corte de cabelo, chegam até a
elogiar dizendo que está na moda. Samuca
rapidamente corrige seu interlocutor e
explica,
“não é
moda, são os meus peyot, uso porque sou
um
menino judeu”.
Samuca estuda em uma escola classe de
classe-média alta, com algumas filiais na
cidade onde
moramos. Trata-se de uma escola conhecida
localmente pela qualidade acadêmica e pela
preocupação com a disciplina. Para nosso
espanto,
soubemos que um pai de uma criança da mesma
filial
onde o Samuca estuda se deu ao trabalho de
ir até a sede geral da escola questionar o
motivo
pelo
qual ele estaria usando aquele “cabelo grande”.
A
primeira idéia que me veio a cabeça foi: anti-
semitismo. Os judeus foram e continuam a ser
bodes
expiatórios e alvos de ira e ódio irracional
por
parte
de diferentes pessoas e grupos sociais,
em
diferentes partes do mundo, inclusive no
Brasil. Entristeci-me com esta possibilidade,
sobretudo, porque nestes dias, nossa
comunidade
está brindando a sociedade de nossa cidade
com
uma
bela exposição sobre Anne Frank, jovem
judia
que se tornou um dos símbolos das vitimas
do
anti-semitismo, vitima da barbarie nazista,
junto
com outros milhões de judeus, ciganos,
deficientes mentais, e outros diferentes...
Um amigo rabino, inclusive me aconselhou a
não levar meus filhos pequeninos para ver a
exposição, para deixá-los viverem um pouco
mais as suas inocências. Assim, fiz. Mas a
realidade nua e crua surge a nossa frente.
Alguns podem dizer que não foi nada disso, e
que eu
estaria sendo paranóico. Gosto da
seguinte resposta para esta situação: Até os
paranóicos tem inimigos!
Continuei pensando. Bom talvez não seja
anti-semitismo mesmo. Talvez o sujeito
nem
saiba o que são peyot, muito menos
que
somos judeus. Isso diminuiria o
problema?
Penso que não. Pois afinal, a
indagação feita a respeito dos peyot do
Samuca, seria uma espécie de intolerância
ao
diferente. Tudo bem, talvez, não uma
intolerância aos judeus. Mas isso não muda
absolutamente nada. O anti-semitismo é um
tipo
de intolerância. Sentir o bafo quente da
intolerância em nossas nucas, mesmo que
não
esteja relacionada ao anti-semitismo,
não
diminui em nada o mal estar. Talvez
até aumente ao constatar a miríade de formas
de
“ódios gratuitos” que sente o homem,
pelo
homem.
Tratarei este caso, tal como a fiz em relação
a
exposição de Anne Frank. Deixarei este
assunto
longe do conhecimento do
Samuca, mantendo um pouco mais a
inocência dele, de modo análogo ao
recomendado pelo rabino... Mas por outro
lado,
faço aqui, minha pequena exposição.
Afinal,
o nome do mal que matou Anne e
questionou
o cabelo do Samuca é o
mesmo: INTOLERANCIA, seja o sobrenome,
ANTI-SEMITISMO, ou não.
(Registro aqui o agradecimento a escola que se
mostrou ética e respeitosa com nossos
costumes,
e que
em momento algum endossou qualquer
prática de intolerância, ou desrespeito para
conosco.)
Maximiliano Ponte
Shabat Shalom
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